9.1 A VIDA NÃO É ÚTIL (Aiton Krenak)
É terrível o que está acontecendo, mas a sociedade precisa entender que não somos o sal da terra. Temos que abandonar o antropocetrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. Desde pequenos, aprendemos que há listas de espécies em extinção. Enquanto essas listas aumentam, os humanos proliferam , destruindo florestas, rios e animais. Somos piores que a Covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência, de hábitos. (Pag. 82)
[...] O modo de vida ocidental formatou o mundo como uma mercadoria e replica isso de maneira tão naturalizada que uma criança que cresce dentro dessa lógica vive isso como se fosse uma experiência total. As informações que ela recebe de como se constituir como pessoa e atuar na sociedade já seguem um roteiro predefinido: vai ser engenheira, arquiteta, médica, um sujeito habilitado para operar no mundo. (pag. 101)
[...] A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária. [...] Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil? Nós temos de ter a coragem de ser radicalmente vivos, e não ficar barganhando a sobrevivência. (pag. 108-109)
[...] nós estamos aqui para fruir a vida, e quanto mais consciência despertarmos sobre a existência, mais intensamente a experimentamos. (Pag. 111)
[...] Escapar dessa captura, experimentar uma existência que não se rendeu ao sentido utilitário da vida, cria um lugar de silêncio interior. Nas regiões que sofreram um forte interferência utilitária da vida, essa experiência de silêncio foi prejudicada. (Pag. 112)
[...] O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo, acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e um mundo como um lugar maravilhoso. O mundo possível que a gente pode compartilhar não tem que ser um inferno, pode ser bom. Eles ficam horrorizados com isso, e dizem que somos preguiçosos, que não quizemos nos civilizar. (Pag. 113)
[...] Talvez o que incomode muito os brancos seja o fato de o povo indígena não admitir a propriedade privada como fundamento. (pag. 114-115)
[...] Nós, Krenak, decidimos que estamos dentro do desastre, ninguém precisa vir tirar a gente daqui, vamos atravessar o deserto, temos que atravessar. Ou toda vez que você vê um deserto sai correndo? Quando aparece um deserto, o atravesse. (Pag.116)
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