A Caverna - Jose Saramago

[...] o importante é o caminho que se fez, a jornada que se andou, se tens consciência de que estás a prolongar  a contemplação é porque te observas a ti esmo ou, pior ainda, é porque esperas que te observem.
[...] há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam apegados à página não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa.
[...] nunca nos deveríamos sentir seguros daquilo que pensamos ser, porque, nesse momento poderá muito bem suceder que já estejamos a ser coisa diferente.
[...] ah, que difícil é separarmo-nos daquilo que fizemos, seja coisa ou sonho, mesmo quando por nossas próprias mãos já o destruímos.
[...] ai daqueles que, com medo de possíveis inquietações futuras, se deixam ficar sentados à beira do caminho a chorar um passado que nem sequer havia sido melhor do que o presente.
[...] há coisas que são tanto aquilo que são, que não precisa que as expliquemos.
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Argumentar com o que tem de ser foi sempre uma perda de tempo, para o que tem de ser os argumentos não passam de conjuntos mais ou menos casuais de palavras que esperam receber da ordenação sintática um sentido que elas próprias não estão seguras de possuir.

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É uma estupidez deixar perder o presente só pelo medo de não vir a ganha o futuro [...]
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Dizem os entendidos que viajar é importantíssimo para a formação do espírito, no entanto não é preciso ser-se uma luminária do intelecto para perceber que os espíritos, por muito viajeiros que sejam, precisam de voltar de vez em quando a casa porque só nela é que conseguem ganhar e conservar uma ideia passivelmente satisfatória de si mesmos.
[...] nasci com uma cabeça que sofre da incurável doença de justamente se preocupar com o que seria ou com o que poderia ter sido.
[...] na verdade, quando estamos a perguntar por alguém, estamos a dizer acerca de nós próprios muito mais do que se poderia imaginar, o que nos vale é que as pessoas perguntadas na sua maioria, não tem o ouvido preparado para perceber o que se oculta por trás de palavras aparentemente tão inocentes como estas [...]
[...] o que creio é que há ocasiões na vida em que devemos deixar-nos levar pela corrente do que acontece, como se as forças para lhe resistir nos faltassem, mas de súbito percebemos que o rio se pôs a nosso favor, ninguém mais deu por isso, só nós, quem olha julgará que estamos a ponto de naufragar e nunca a nossa navegação foi tão firme.

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