5.6 O jogo e a criança (Jean Chateau)

CONCLUSAO - Papel pedagógico do jogo

Há uma outra atividade superior que propositalmente silenciamos até agora e que, também ela, nasce do jogo: é o trabalho, sem o que nem a arte, nem a ciência, nem mesmo o esporte poderiam se desenvolver. [...] Se não se vê no jogo um encaminhamento para o trabalho,  uma ponte lançada da infância à idade madura, arrisca-se a reduzi-lo a um simples divertimento, e a rebaixar aos mesmo tempo a educação e a criança, desprezando essa parte de orgulho e de grandeza humana que dá seu caráter próprio ao jogo humano. (p. 124)

[...] O jogo é um juramento feito primeiro a si mesmo, depois aos outros, de respeitar certas instruções, certas regras. Essa fórmula é essa e não outra, aquela que contém tais palavras e não outras, nada posso fazer, já que jurei respeitar fórmulas e regras. Poucas vezes a moralidade adulta estará tão elevada; ela não será mais do que uma moralidade de instrução. (p. 125)

O jogo, repitamos (e nunca se repetirá o bastante), não é um mero divertimento. [...] Não é pois pelo esforço que se pode distinguir jogo e trabalho. Há jogos muito mais cansativos do que certos trabalhos. (p. 125-126)

Um outro aspecto pelo qual o jogo prepara para o trabalho, é que ele é introdutório ao grupo social. Para o grande, jogar é cumprir uma função, ter um lugar na equipe; o jogo, como o trabalho, é, por conseguinte, social. Por ele, a criança toma contato com as outras, se habitua a considerar o ponto de vista de outrem, e sair de seu egocentrismo original. O jogo é atividade de grupo. (p. 126)

[...] com muito frequência se tem pensado que a escola deve, como o jogo, ser atraente, e tem-se enganado quanto ao significado desse termo. [...] A busca do atrativo é muito perigosa. [...] |O atrativo do jogo é especial, é superior. Daí, graves erros pedagógicos. Correndo o risco de escandalizar, daremos como exemplo disso o abuso que alguns fazem às vezes do cinema. [...] Lembremo-nos de que só possuímos o que ganhamos com esforço. [...] O que não foi gravado profundamente na memória fica sem força;[...]

[...] Repetimos ao longo dessa obra, jogar é um prazer moral. É esse prazer moral que devemos transpor para a nossa educação, se queremos calcá-la na atividade espontânea do jogo. Por isso, é preciso apresentar  à criança obstáculos a transpor, e obstáculos que ela queira transpor, Na falta deles a educação perderá todo o seu sabor, não será mais do que alimento insípido e indigesto. [...] a verdadeira alegria, a alegria humana, é aquela que se obtém num triunfo sobre si, num domínio de si; que esse triunfo, esse domínio possam às vezes se acompanhar de incômodos físicos, de fadiga, é preciso reconhecê-lo. [...] O esforço nem sempre é doloroso. (p. 128)

Que a criança não se desenvolve pela repressão, mas por sua própria vontade, muito bem; mas isso só pode acontecer com a ajuda de um adulto. E a aprovação adulta é a melhor recompensa para esse desenvolvimento espontâneo. O professor não deve ser um chefe, mas um treinador. (p. 130-131)

Por isso mesmo a autoridade do adulto que lança seu apelo, que treina o grupo, deve ser reconhecida. Muita familiaridade é aqui tão nociva quanto muita distância. De um lado o professor é muito distante, e aniquila; mas, de outro, ele é muito próximo, não atrai mais. Sob esse aspecto, o "professor-camarada" não vale mais do que o professor-tirano de antigamente; o erro é o mesmo de ambos os lados. (p. 131)

Uma educação baseada unicamente no jogo seria então insuficiente.  [...] Não esqueçamos que o grupo de jogo se basta a si mesmo. Querer fazer dele uma célula educacional  é esquecer o resto do organismo social. (p. 134)

Uma educação pelo jogo fica fora do tempo e do espaço, como fora do século. Se se quer que a educação forme um homem, desenvolva todas as potencialidades latentes na criança, não se pode contentar com essa formação formal que é a do jogo com essa moralidade formal que não apresenta nenhum fim concreto ou antes, aceita indiferentemente qualquer fim. (p. 134)

Não tentemos violentar a natureza. Escola é escola, oficina é oficina. A escola é um mundo mais ou menos fechado; a oficina tem suas portas abertas, e por elas passam os fregueses e os produtos fabricados. Numa, prepara-se para a vida; na outra, ganha-se a vida. A escola não pode participar diretamente do mundo do trabalho. (p. 134)

Tentemos fazer o trabalho penetrar na escola, não baseemos toda nossa educação no jogo. Mas não lhe  pretendamos que esse trabalho escolar seja idêntico ao verdadeiro, ao camponês ou do operário; isso é impossível. (p. 135)

[...] O trabalho escolar tem sua natureza específica de trabalho escolar. (p. 136)

[...] Não se compreende o mundo real por contemplação direta. A experiência ensina menos do que a reflexão sobre ela. Um diagrama da flor ensina mais sobre ela do que sua visão direta; a visão direta só dá resultado se o aluno já sabe o que é preciso olhar, se para ele, a flor é a cópia do diagrama; do contrário, ele verá muito pouca coisa. [...] O trabalho escolar deve ser apenas uma tomada de contato indireta e rápida, não uma descoberta. (p. 136)

[...] Chegamos à existência a partir do conceito, e não ao conceito a partir da existência.  (p. 136)

Repitamos: a escola, não é nem o jogo, nem o trabalho real. É menos e outra coisa. Não procuremos identificá-la como um nem com outro. O escola deve ser mais do que uma criança e menos do que um adulto. O trabalho escolar deve ser mais do que o jogo e menos do que o trabalho. É uma ponte lançada do jogo ao trabalho. [...] Não esqueçamos a velha alegoria platônica da caverna que põe o conhecimento do real no fim da aventura; nem a lição dos artistas que, pelo simples jogo, nos têm ensinado através dos tempos, a melhor nos conhecermos e a nos amarmos melhor. (p. 137)

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