5.5 O jogo e a criança (Jean Chateau)

CAPÍTULO III - OS JOGOS, AS IDADES E OS CARACTERES

B. Os jogos e as idades

[...] Pois o jogo não é estável , imutável, como pode ser um caráter. [...] Enfim, pode-se considerar que todo jogo é a expressão de uma ou várias tendências, e estudar a maneira pela qual as tendências primitivas podem , na atividade lúdica, se modificar, se enxertar uma ou várias tendências, e estudar a maneira pela qual as tendências primitivas podem, na atividade lúdica, se modificar, se enxertar umas nas outras e engendrar novas tendências.[...] assim, a tendência a se agrupar se exprime pelos esquemas coletivos como o círculo ou a fila. (p. 107)

[...] "Todas as crianças, diz Ch. Bühler, constroem primeiro, depois desenham e pintam. Nós próprios chegamos a conclusão idêntica: o jogo com os cubos surge desde os dois anos, depois vem a modelagem, enfim o desenho e a pintura. (p. 107)

 [...]

Enfim, os jogos com o novo, de que já falamos, manifestam na criança faculdades que o animal ignora. Daí procedem jogos de exploração e de manipulação: exploração de seu corpo e do de outrem, jogos com areia, com animais, etc. [...] (p 111)

[...] Antes de abordar os jogos regulamentados, é necessário entretanto, fazer referência a jogos de um gênero especial. São os que , como os regulamentados, procedem de um desejo de se afirmar, mas que apelam para meios inferiores de afirmação. Assim, são os jogos de destruição, dos quais é preciso  aproximar os de desordem. [...] Geralmente os jogos de destruição que aparecem em estado puro no animal, ficam marcados na criança por essa ambiguidade, pois tendência mais nobres interferem nas tendências destruidoras. [...] Esses jogos têm sempre o papel de revide contra o adulto, às vezes o revide não é contra o adulto, mas contra uma outra: a criança que acaba de ser repreendida pelo adulto ou pelo mais velho vai destruir o castelo de areia de uma outra criança; isso a engrandece aos seus próprios olhos e a compensa da diminuição que sofreu pela reprimenda. (p. 110 - 111)

[...] Se os jogos de valentia dão origem aos de competição coletiva, é que a tendência infantil de se afirmar adapta-se a um molde  social no despertar da quarta infância; as passagens do jogo de imitação individual às cerimônias do fim da infância atestam um mesmo processo de socialização, no caso das tendências primitivas. O estudo dos jogos nos permite assim apreender a sucessão de interesses infantis. (p. 116)

Os jogos de competição levam ao esporte. Mas entre jogo e esportes há diferenças notáveis. O jogo, dissemos em nossa introdução, é uma prova; mas a prova é momentânea. Assim, ele não admite nenhum treinamento. (p. 118)

As danças, os jogos de modelagem, de desenho, os jogos com areia, com faca, levam a atividade artística. [...] À arte, como ao jogo, vai-se com toda a alma. (p. 119)

A obra de arte não é apenas uma expressão, é uma declaração, um manifesto; ela não é feita somente por, ela é feita para. E sem dúvida encontra-se já o esboço dessa atitude no espírito da criança que joga/brinca para o público. Mas além de a criança solitária erguer seus castelos de areia para si mesma, para sua própria satisfação, ela apenas considera um público restrito e presente. Sua ambição fica limitada a um espaço e a um tempo. (p. 120)

É tanto mais interessante registrar contribuições da atividade lúdica à ciência. Em primeiro lugar, o jogo contribui para desenvolver o espírito construtivo, a imaginação e mesmo a faculdade de sistematizar. [...] (p. 122)

Não subestimemos, pois, a importância dos jogos de nossas crianças. Não apenas ele é para elas um exercício de todas as faculdades, mas foi - e continua sendo - uma rica fonte de atividades superiores. Arte, religião, esporte, a própria ciência, todos esses riachos tiram do jogo a sua água, todos têm uma origem comum. É através do jogo que começa o pensamento propriamente humano, é fingindo pegar um objeto ou ter que, pela primeira vez, o homenzinho se desliga do ambiente para "se representar" situações, atividades, seres ausentes. Com o jogo, o homem começa; antes, havia apenas atividades práticas ou funcionais, nenhuma atividade gratuita e teórica. É no jogo que contemplamos, que projetamos, que construímos. A fonte pode parecer na origem bem pouco abundante, muito tênue; é, entretanto, pelo jogo que a humanidade se insinua por toda parte, e é pelo jogo que essa humanidade se desenvolve. (p. 123)

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