5. O jogo e a criança (Jean Chateau)
[...] Uma criança que não sabe brincar, uma miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar.
A infância é, portanto a aprendizagem necessária à idade adulta. Estudar na infância somente o crescimento, o desenvolvimento das funções, sem considerar o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistível pela qual a criança modela sua própria estátua. Não se pode dizer de uma criança "que ela cresce" apenas, seria preciso dizer "que ela se torna grande" pelo jogo. Pelo jogo ela desenvolve as possibilidades que emergem da sua estrutura particular, concretiza as potencialidades virtuais que afloram sucessivamente à superfície de seu ser, assimila-se e as desenvolve, une-as e as combina, coordena seu ser e lhe dá vigor. (p. 14)
[...] "Com efeito, quanto mais longa a infância, maior o período de plasticidade durante o qual o animal brinca, joga, imita, experimenta, isto é, multiplica suas possibilidades de ação e enriquece com o fruto de sua experiência individual o fraquíssimo capital que lhe foi transmitido como herança." (p. 15)
[...]
Por que a criança brinca? Será para "se divertir", para alcançar um prazer sensual? De modo algum, ou são jogos de bebê que convencionamos deixar de lado, ou uma atividade séria que nada tem a ver com o jogo. E essas ideias levam-nos a uma ideia importante: no fundo o jogo do bebê e a atividade séria fonte de prazer sensorial (como chupar o dedo ou afagar o braço nu), são da mesma ordem; de uma parte e da outra, é o prazer sensual que comanda o ato. [...] O jogo funcional provém de uma necessidade sensual e dá origem a uma satisfação sensual: o bebê que tem necessidade de exercer suas cordas vocais goza desse exercício como, quando temos vontade de bocejar, gozamos o bocejo. Essa é uma atividade que visa a dar um resultado concreto e agradável, como toda atividade prática. (p.19)
[...] A criança que brinca de médico se toma tão a sério que não admite zombarias. "Se você observa atentamente uma criança brincando", escreve com propriedade Lee, "creio que a primeira coisa que chamará sua atenção será a seriedade dela, fazendo uma massa de areia, edificando com cubos, brincando de barco, de cavalo, de trenzinho, de soldado defendendo a pátria, você verá, observando seu rosto, que ela dá toda a sua alma ao assunto em questão e é tão absorvida por tudo isso quanto você em suas pesquisas mais sérias. Ou se as bonecas estão doentes, e as crianças tomam sua temperatura, chamam o médico e administram remédios estranhos e terríveis que parecem sempre necessários nos casos de doenças de bonecas, você constatará que são coisas sérias e que não há nada mais agressivo do que intervir com palavras impróprias ou irônicas. É porque a criança pode chegar, sobretudo nos seus primeiros anos, a absorver-se tão bem no seu papel que ela se identifica momentaneamente a personagem que representa. (p. 20)
[...] Através do jogo, a criança conquista essa autonomia, essa personalidade, e mesmo aqueles esquemas práticos e necessários à vida adulta. Ela não as conquista em coisas concretas e pesadas para manipular, mas através de substitutos imaginários. Ela opera como o futuro aviador que se exercita primeiro numa situação simulada, antes de arriscar a pilotar um avião real. (p. 21)
[...]
Seria demasiado dizer ainda na maioria dos casos, pois, na verdade, o jogo infantil nem sempre é imitação do adulto. A atitude de distanciamento é, entretanto, sem dúvida, em parte, fuga diante da atitude zombeteira do adulto, mas esse aspecto é secundário (particularmente quando a criança brinca longe do adulto ou diante de adultos em quem confia). O aspecto principal é o criador. O distanciamento leva a criança a um mundo onde ela tem todo o poder, onde pode criar. Um mundo onde as regras do jogo têm um valor que não têm no mundo dos adultos. O distanciamento funciona como um juramento de obediência às regras tradicionais: "Quem joga, jurou", diz Alain; mas este é um juramento de esquecer o mundo da vida séria em que as regras lúdicas não valem. Por isso, o distanciamento surge voluntariamente. (p. 23)
[...]
O apagamento do resto do mundo não pode, com efeito, bastar para caracterizar a atitude lúdica. Posso também, ao longo do meu trabalho, mergulhar-me tão profundamente numa tarefa que qualquer outro fator se anula. Minha atividade aproxima-se então da atividade lúdica, na medida em que me entrego a ela de corpo e alma, como se nada mais existisse no mundo. Mas não há, no caso, nenhuma má-fé, nenhuma decisão voluntária de esquecer o resto. Pelo contrário, sei que meu trabalho atual está ligado a todos os trabalhos do mundo e só tem sentido dentro dessa visão de conjunto. (p. 25)
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