5.1 O jogo e a criança (Jean Chateau)

CAPÍTULO 1 - O JOGO E O OUTRO

A. - O apelo do mais velho
É bem sabido que as crianças gostam muito de ajudar a mãe ou o pai. Por volta de 5 ou 6 anos, para uma criança normal não há alegria maior do que a de substituir por algum tempo o adulto em seu trabalho. É muito divertido ninar a boneca, mas fazer a irmãzinha dormir apresenta muitos outros atrativos. Sabe-se do orgulho do pequeno que tem o seu jardim e o cultiva como o seu pai; sabe-se que alegria pode acompanhar o brotar das primeiras folhas de feijão. (p. 34)

[...]Essas considerações sobre o gosto da crianças pelas tarefas adultas nos permitirão compreender melhor uma ideia essencial: o maior sonho da criança é ser adulto. O jogo da criança, como toda a sua atividade, é comandada pela grande sombra do mais velho. (p. 35)

[...]Como a maior parte dos homens, e mais ainda do que eles, a criança tem necessidade de modelos concretos. Para ela, o seu desconhecido deve ceder lugar aos heróis e aos santos bem próximos dela. E onde encontrar esses modelos a copiar senão nos adultos sempre presentes, sempre mais sábios, sempre mais fortes, sempre melhores? Os adultos, e mais genericamente os mais velhos, são os deuses que a criança adora, aqueles em cuja direção ela quer se elevar, aqueles a que ela copia em todos os seus atos. (p. 36)
[...]
A infância como um todo, é por conseguinte, sua atividade espontânea e essencial, o jogo, só tomam sentido nessa perspectiva. Não há necessidade de apelar para fatores ocultos e complexos inconscientes, já que a finalidade almejada pela criança salta aos olhos. A criança deseja ser uma pessoa grande; "a característica da criança", diz muito bem Claparède, "não é portanto ser um insuficiente, mas ser um candidato". Toda a infância é sustentada, impulsionada pelo apelo d mais velho.

Também o jogo depende, ainda que indiretamente, da atividade adulta. Por não poder trabalhar com  adulto, a criança vai primeiramente imitar suas atividades. É por isso que nos jogos de imitação tão frequentes entre três e sete anos, as cenas imitadas são quase unicamente da vida adulta. Brinca-se de mãe e filha, de professora, de vendedora. Imita-se um ou outro adulto da cidade ou do bairro, toma-se o cuidado de repetir suas frases costumeiras, de copiar seus gestos e até seus tiques. O mundo do jogo torna-se uma cópia insípida - a aliás mais ou menos inexata - do mundo adulto. Assistimos nesse caso a uma derivação de tendências, como dizem os psicanalistas; a criança realiza pela imitação, o que ela queria ser na realidade. Mas não se trata tanto de desejos ocultos, mas da tendência muito forte que impele a criança em direção ao adulto em geral, e mais especificamente em direção àqueles adultos com quem ela tem contato diário (aquela tendência que a faz dizer: "Quando e for grande...", "Quando eu for casada...". (p. 37)


B. - A formação do grupo
Uma das superioridades mais eminentes da infância humana sobre a infância animal reside na existência de um grupo que constitui uma verdadeira sociedade.

[...] Na escola maternal, as crianças mais jovens ficam isoladas; apenas por volta dos 4 anos é que se formam os primeiros pares e só às vésperas dos 5 é que sentem necessidade de companheiros de jogos.

Assim, na escola maternal constituem-se grupos muito restritos, em geral de duas ou três crianças. As tentativas às vezes levadas a cabo por crianças mais velhas para formar grupos maiores raramente são bem-sucedidas., Não de deve, entretanto, encará-los como grupos de cooperação. As crianças brincam lado a lado, compartilhando seus feitos, mas geralmente não brincam em conjunto como bem observa Miss Gardner. Há um grupo, se se quer considerar assim, mas um grupo fragmentário, feito de unidades autônomas. É como se fossem dois pescadores vizinhos à beira do rio, e não uma equipe empenhada em puxar o arrastão.

Acontece entretanto, às vezes, a constituição de grupos de cooperação. Esses são em geral limitados; como no jogo da cadeira em que duas crianças fazem com braços entrecruzados uma cadeira na qual uma terceira se assenta, ou no jogo análogo da charrete. Rarissimamente o grupo pode englobar todas as crianças: vimos isso a propósito de um jogo  de corridas de vacas que se repete todos os anos na Chalosse. Mas há exceções.

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