10.1 A CRIAÇÃO DO PATRIARCADO: História da opressão das mulheres pelos homens (Gerda Lerner)
UM - ORIGENS
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Para historiadores, a questão mais importante e significativa é: como, quando e por que a submissão feminina passou a existir? (Pag. 42)
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A resposta tradicionalista à primeira pergunta, é claro, é que a dominação masculina é universal e natural. (Pag. 42)
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A explicação tradicionalista concentra-se na capacidade reprodutiva feminina e vê a maternidade como a maior meta na vida das mulheres, definindo assim, como desviantes mulheres que não se tornam mães. (Pag. 43)
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A consequente explicação da assimetria sexual coloca as causas da submissão feminina em fatores biológicos pertinentes aos homens. [...] essa explicação determinista do ponto de vista biológico estende-se da Idade da Pedra até o presente pela afirmação de que a divisão sexual do trabalho com base na "superioridade" natural do homem é um fato, e, portanto, continua tão válida hoje quanto era nos primórdios da sociedade humana. (Pag. 43)
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Ainda que não mencionemos as alegações biológicas duvidosas de superioridade física masculina, a explicação do homem-caçador foi refutada por evidências antropológicas em relação à sociedades de caçadores-coletores. Na maioria dessas sociedades, a caça de grandes animais é uma atividade auxiliar, enquanto o fornecimento dos principais alimentos vem de atividades de coleta e caça de pequenos animais, que mulheres e crianças executam. Além disso, como veremos a seguir, é precisamente em sociedades de caçadores-coletores que encontramos muitos exemplos de complementaridade entre os sexos e sociedades nas quais as mulheres têm status relativamente alto, contradizendo de modo direto as afirmações da escola de pensamento do homem-caçador. (Pag. 44)
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Quando o argumento religioso perdeu força no século XIX, a explicação tradicionalista da inferioridade das mulheres tornou-se "científica". As teorias darwinistas reforçaram crenças de que a sobrevivência da espécie era mais importante do que a autorrealização. Por mais que o movimento Evangelho Social usasse a ideia darwinista de sobrevivência do mais forte para justificar a distribuição desigual de riquezas e privilégios na sociedade norte-americana, defensores científicos do patriarcado justificavam a definição de mulheres pelo papel materno e pela exclusão de oportunidades econômicas e educacionais como algo necessário para a sobrevivência da espécie. Era por causa da constituição biológica e da função materna que mulheres eram consideradas inadequadas para a educação superior e muitas atividades vocacionais. Menstruação, menopausa e até gravidez eram vistas como debilitantes, doenças ou condições anormais, que incapacitavam as mulheres e as tornavam de fato inferiores. (Pag. 45)
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Entretanto, os tradicionalistas esperam que as mulheres tenham os mesmos papéis e ocupações que eram funcionais e essenciais à espécie no Período Neolítico. Aceitam as mudanças culturais pelas quais os homens se libertaram da necessidade biológica. A substituição do trabalho físico pelo trabalho de máquinas é considerada progresso; apenas as mulheres, sob o ponto de vista deles, estão condenadas pela eternidade a servir à espécie por meio de sua biologia, Afirmar que, de todas as atividades humanas, apenas os cuidados fornecidos por mulheres são imutáveis e eternos é, de fato, destinar metade da raça humana a uma existência inferior, à natureza em detrimento da cultura. (Pag. 47)
[...] O fato de mulheres terem filhos ocorre em razão do sexo; o fato de mulheres cuidarem dos filhos ocorre em razão do gênero, uma construção social. É o gênero que vem sendo o principal responsável por determinar o lugar das mulheres na sociedade. (Pag. 47)
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A "troca de mulheres" é a primeira forma de comércio, na qual mulheres são transformadas em mercadoria e "coisificadas", ou seja, consideradas mais coisas do que seres humanos. A troca de mulheres, de acordo com Lévi-Strauss, marca o começo da subordinação das mulheres. Isso, por sua vez, reforça uma divisão sexual do trabalho que institui a dominação masculina. Lévi-Strauss, contudo, vê o tabu do incesto como um passo adiante positivo e necessário para a criação da cultura humana. Pequenas tribos autossuficientes precisaram se relacionar com tribos vizinhas em constante guerra ou encontrar uma maneira de coexistência pacífica. Os tabus sobre endogamia e o incesto estruturaram interações pacíficas e originaram alianças entre tribos. (Pag. 51-52)
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A universalidade do matriarcado pré-histórico parece nitidamente contrariada por evidências antropológicas. [...] Penso que só podemos falar em matriarcado quando as mulheres têm poder sobre os homens, não ao lado deles; quando esse poder inclui o domínio público e as relações exteriores, e quando as mulheres tomam decisões essenciais não apenas para seus parentes, mas para a comunidade. [...] esse poder deveria incluir a definição de valores e sistemas explicativos de sociedade, bem como a definição e o controle do comportamento masculino. Pode-se observar que defino o matriarcado como a imagem refletida do patriarcado. Segundo essa definição, eu concluiria que nunca existiu uma sociedade matriarcal. (Pag. 59)
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