10. A CRIAÇÃO DO PATRIARCADO: História da opressão das mulheres pelos homens (Gerda Lerner)


 INTRODUÇÃO

    O fazer história , [...] é uma criação que remonta a época da invenção da escrita na Antiga Mesopotâmia. Da época dos reis da antiga Suméria em diante, historiadores, fossem sacerdotes, servos reais, escribas, clérigos ou alguma classe de intelectuais com instrução universitária, passaram a selecionar os eventos que seriam registrados e a interpretá-los para que tivessem significado e significância. Até o passado mais recente, esses historiadores eram homens e o que registravam era o que os homens haviam feito, vivenciado e considerado significativo. Chamaram isso de História e afirmaram ser ela universal. O que as mulheres fizeram e vivenciaram ficou sem registro, tendo sido negligenciado, bem como a interpretação delas, que foi ignorada. O conhecimento histórico, até pouco tempo atrás, considerava as mulheres irrelevantes para a criação da civilização e secundárias para atividades definidas como importantes em termos históricos. (Pag. 28)

[...]
    As mulheres foram impedidas de contribuir com o fazer História, ou seja, a ordenação e a interpretação do passado da humanidade. Como esse processo de dar significado é essencial para a criação e perpetuação da civilização, podemos logo ver que a marginalização das mulheres nesse esforço as coloca em uma posição ímpar e segregada. As mulheres são maioria, mas são estruturadas em instituições sociais como se fossem minoria. (Pag. 29)

[...] As mulheres "fizeram História", mesmo sendo impedidas de conhecer a própria História e de interpretar a história, seja a delas mesmas ou a dos homens. Foram excluídas da iniciativa de criar sistemas de símbolos filosofias, ciências e leis. Elas não apenas vêm sendo privadas de educação ao longo da história em toda sociedade conhecida, mas também excluídas da formação de teorias. (Pag. 29)

[...]
    Comecei fazendo a seguinte pergunta: Quais são as definições e os conceitos necessários para que possamos explicar  a relação única e segregada das mulheres em relação ao processo histórico, ao fazer história e à interpretação do próprio passado?
[...] O que poderia explicar a "cumplicidade histórica" das mulheres em preservar o sistema patriarcal que as subjugava e em transmitir tal sistema, ao longo das gerações, a seus filhos, de ambos os sexos? (Pag. 39)

[...] parto do princípio de que homens e mulheres são biologicamente diferentes, mas que valores e as implicações baseados nessa diferença, resultam da cultura. [...] A existência da história das mulheres foi ignorada e omitida pelo pensamento patriarcal - fato que afetou a psicologia de homens e mulheres de forma significativa. (Pag. 30-31)

[...]O que importa para minha análise é a compreensão de que a relação de homens e mulheres com o conhecimento de seu passado é, por si só, uma força motriz no fazer história. (Pag. 31)

[...]
    Por fim, outra imagem. Homens e mulheres vivem em um palco no qual desempenham seus papéis designados, ambos de igual importância. A peça não pode prosseguir sem os dois tipos de atores. Nenhum deles "contribui" mais ou menos para o conjunto; nenhum é secundário nem dispensável. Mas o cenário é concebível, pintado e definido por homens. Homens escreveram a peça, dirigiram o espetáculo, interpretaram o significado da ação. Eles se autoescalaram para os papéis mais interessantes e heroicos, deixando para as mulheres os papéis de coadjuvantes.
    Conforme as mulheres tomam consciência da diferença na forma como se encaixam na peça, pedem mais igualdade na distribuição de papéis. Elas ofuscam a atuação dos homens algumas vezes; em outras, substituem um ator que faltou. Por fim, com muito esforço, as mulheres ganham acesso ao direito à distribuição igual de papéis, mas antes precisam se "qualificar". Os termos das "qualificações" são novamente definidos por homens; eles julgam se as mulheres estão à altura; eles permitem ou negam a entrada delas. Dão preferência a mulheres submissas e àquelas que se encaixam com perfeição na descrição da vaga. Homens punem, por meio de ridicularização e exclusão, qualquer mulher que se ache no direito de interpretar o próprio papel ou - o pior dos pecados - reescrever o roteiro.
    Leva muito tempo para que as mulheres entendam que receber os papéis "iguais" não as tornará iguais enquanto o roteiro, os objetos de palco, o cenário e a direção ficarem estritamente a cargo de homens. Quando as mulheres começam a se dar conta disso e se reúnem entre os atos, ou mesmo durante o espetáculo, para discutir o que fazer a respeito, a peça chega ao fim. (Pag. 38)

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